Empreendimento socializou o acesso à leitura de maneira pioneira, inovadora e desafiadora. Se você quiser assistir documentário sobre o trabalho, acesse vídeo ao final da matéria
Os livros se transformando em barcos capazes de fazer navegar pelos sonhos e pelas descobertas leitores que não moram nos núcleos urbanos da Amazônia. Esse foi o mote principal do projeto Sou Rio de Letras. Idealizada pelo artista e terapeuta multidimensional Carlos Correia Santos em parceria com o jornalista Gerlando Santana, a iniciativa se estruturou a partir de ideia simples, mas com os efeitos potencialmente multiplicadores. “A proposta era levar o escritor para as localidades ribeirinhas com o intuito de fazê-lo ler seus livros, ao vivo e em cores, em eventos abertos ao grande público. Além das obras do escritor-leitor, arrecadamos também livros doados por outros autores que foram entregues nas comunidades com o intuito de criar ou fomentar bibliotecas locais”, explica Gerlando.
Escolhido para ser o escritor-leitor do projeto, Carlos Correia se sentiu honrado e positivamente provocado pelo desafio: “A ideia do Gerlando foi simplesmente linda e eu me senti muito feliz por ter sido escolhido por ele para seguir nessa jornada poética por nossos rios, furos, igarapés, levando leitura. Fiquei ainda mais feliz porque não vou sozinho. Fui levando conosco a obra de outros colegas. A imagem que se desenhou pra mim foi de pura poesia. Imaginem só: nós, os livros, o público escutando as leituras e a paisagem amazônica a nossa volta. Fantástico”. O empreendimento contou com o apoio da Giostri Editora, que doou exemplares para serem lidos e entregues às comunidades, Gran Cargo, que transportou os livros e de Parla Página – Produção de Conteúdos, que fez a assessoria de comunicação.
ESTREIA
O primeiro pouso do Sou Rio de Letras aconteceu no dia 19 de janeiro de 2013, na Ilha de São Mateus na divisa dos municípios de Mocajuba e Cametá na região do baixo Tocantins. A emoção provocada pela expedição marcou profundamente Carlos Correia Santos. O escritor relata: “Vivi aquela que certamente foi uma das mais colossais experiências sensoriais que já passei na vida. Saímos de Belém por volta das 13h. Foram mais ou menos cinco horas de carro até Mocajuba (passando por pontes, balsas, tudo). Chegamos a Mocajuba quando o dia já se despedia. Estávamos sendo esperados por um pequeno barco a motor, mas pequeno mesmo. A nossa frente, a imensidão do rio Tocantins. Um verdadeiro mar de ondulações doces. No que íamos entrando no barco, a luz em Mocajuba foi embora. Então, ali estávamos, seis pessoas no pleno escuro da Amazónia, num barquinho e o compromisso de atravessar a correnteza imensa até chegar ao braço de rio, entre a floresta, onde ficava a casa da tia Antônia, na qual faríamos pouso para realizar nosso empreendimento na manhã seguinte. Atravessar o mundo indomável de águas do Tocantins, num pequeno barco no meio do infinito da noite… uau… isso foi de fazer o fôlego voar. Colossal. Lindo. Comovedor. O mistério do negror das árvores nas margens, afastando-se mais e mais. O mundo virando água, água e só água. Acima de nós um céu furioso, nublado, o vento frio nos abraçando. A Amazônia é, sem dúvida, dos mais poderosos lugares do mundo. A vastidão da paisagem nos enverga, nos humilha de modo mágico, a nos fazer entender o quão mínimos somos. Um sopro a mais e todos nós éramos engolidos pela vastidão daquele rio. Que experiência bela. Sou muito, muito grato por isso”.
A proposta foi mesmo ousada. Segundo Santana, a meta era realizar as programações nas localidades mais afastadas dos núcleos urbanos. “Achamos isso importante porque são justamente esses lugares que mais precisam ver chegar ações assim. Regiões próximas das cidades, acabam, de algum modo, mantendo contato com ações culturais. Queremos chegar naqueles pontos nos quais, muitas vezes, até o acesso é difícil. É lá que o livro precisa estar também. Porque a boa leitura não tem fronteiras”.
PROTAGONISTAS
Além das rodadas de leituras públicas, o projeto foi além. O Sou Rio de Letras também contou com a participação ativa dos ribeirinhos. Os moradores foram convidados a também se tornarem narradores públicos, contando durante a programação causos e lendas da região. A meta era celebrar e solidificar a tradição oral que marca e diferencia o imaginário amazônico.
Gerlando e Carlos fazem questão de frisar que toda a ação foi realizada sem qualquer patrocínio oficial. “Decidi arregaçar as mangas e partir para o fazer. Convidei o Carlos, ele topou. Produzi as viagens e assim fomos”, frisa Santana. Correia completa: “Tenho deixado de esperar pelo poder público já há bastante tempo. Nunca fui o tipo de empreendedor que só sai de casa para atuar com plena cobertura de patrocínios. Não. Enquanto a gente espera por editais, os dramas sociais se acirram. Não dá para esperar. Por nada”.
Se você quiser assistir um documentário sobre o Sou de Letras em Mocajuba, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=gWzwmzPsLJI